NATAL ÀS AVESSAS
Dom Jacques Gaillot, bispo francês
Porque não dizê-lo? Tenho dificuldade em celebrar Natal porque Natal dói para aqueles que chegam da América do Sul, da África, da Ásia, de todos os paises onde ainda falta pão, paz, liberdade; porque Natal dói para aqueles que não têm emprego, para aqueles que estão sozinhos, para os desprovidos.
Natal dói porque se esbanja, se desperdiça riqueza, se confundindo a festa com a abundância. Esbanjamento insolente da nossa civilização fechada sobre si mesma, que não quer olhar os outros seres humanos. Não havia lugar na hospedaria, diz o Evangelho.
Cuidado de não festejar Natal às avessas: do lado daqueles que recusam a Deus.
Natal é um Deus pobre. Uma criança vivendo entre os pobres. É Deus que arrisca sua vida, um marginal, um homem caçado. É Deus conosco no despojamento. Será que este Deus ainda é nosso Deus? É nossa vida que vai dizê-lo. Somos solidários com aqueles que não têm? Buscamos nossa alegria no amor que é sempre indigente e que quer sempre se doar? Estamos dispostos a receber sempre aquilo que nos oferecem os pobres?
Natal nos leva para o essencial. Não se trata de ser rico ou de ter tudo o que é preciso; tampouco trata-se de ser considerado, garantido contra tudo e bem acomodado numa pequenina vida bem tranqüila.
Natal é amar em casa, na escola, no bairro, na oficina, no escritório, nas atividades que tecem a vida, desde a associação de pais de alunos até o sindicato, ao partido político, mesmo quando se torna difícil de enxergar para quem se luta. Natal é também a noite, o isolamento, o número reduzido, a ausência de eficácias.
Natal é amar em mar aberto, para o Terceiro Mundo, para toda a humanidade se fosse possível!
E Natal para a Igreja? Dizem que a nossa Igreja está em crise. Alguns têm o prazer de sublinhar esse aspecto. A Igreja vai deixando aos poucos de ser a potência de antigamente.. Ela busca na escuridão o caminho de Belém. Ela com certeza conhecerá seu despojamento. Porém isto será para ela renascer, pobre junto com seu Deus pobre, rico do essencial, rico unicamente do seu Evangelho.
Na multidão dos homens e das mulheres, que eles sejam cristãos ou não o sejam, existem hoje seres que buscam, que querem uma humanidade mais humana e que se abre para Deus. Possamos todos ser desses homens e mulheres do Essencial, peregrinos andantes da noite de Natal. Será que Natal está nos doendo também? Poderemos então dizer que Deus está se mexendo dentro de nós? O Deus de Natal nos incomoda. Ele nos preme. É uma alegria que queima.
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