sexta-feira, 26 de março de 2010

Cartas, talvez, de um sonho...



Lú...
Boa noite, Companheira!

Engraçado, eu ainda nem saí do meu barraquinho, mas já sinto saudades!
Vou aproveitar o restinho dos dias que tenho como “favelado” porque, quando efetivarem o processo de higienização mundial, “favelado” vai ter outro nome.
E de verdade, eu não sei se vou ser mais feliz quando nos colocarem nesses caixotes.

Logo me remeto a uma lembrança que tive há um tempo atrás...

A Comunidade do Pilar, como está sendo chamada hoje e, acredito eu, que é assim que vai ser chamada daqui pra frente também já foi bastante conhecida como Favela do Brum,e até hoje muita gente se refere a esse paraíso, por esse nome: "BRUM".
Mas o que eu queria comentar era sobre o terceiro nome com que denominaram a esse pequeno pedaço de terra, que vale trilhões de euros, mas que para "nós" possui um valor infinitamente incalculável.
Esse terceiro nome era “favela do RATO”, devido ao alto índice de roedores que havia na região, por causa da fábrica do Moinho, que à época trabalhava com grãos, o que atraía os "bichinhos" pra localidade...
E, hoje, é como se a PCR tivesse armado umas ratoeiras no Brum... Agora os roedores (população da favela do rato) tivessem que evacuar a área porque se deu início ao processo de dedetização do local. Quando concluírem esse processo de higiene social, irão nos colocar em seus cativeiros - uma espécie de caixotes de pedra, que irão substituir não só os barracos, mas também as plantas, flores e frutos do que, para nós, sendo nosso chão, é um PARAÍSO CHAMADO FAVELA.


“E assim, adormece esse homem/menino...
que nunca precisa dormir pra sonhar
Porque, não há sonho mais lindo
do que sua terra, não há!!” (Dorival Caymmi)

Cleiton
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A partir do comentário postado por Cleiton Orman no blog [ poesia acidental ], na Quinta-feira, 25 Março, 2010.
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Cleiton, companheiro-menino, guerreiro de luz!


Sabes tu que me destes, desprentensiosamente, um ensinamento?

A lição de hoje foi "morada", "casa"... Ao modo freireano, diríamos que a palavra geradora foi "favela"... E fizeste-me entender que morada e casa é um lugar onde construímos sentidos e sentimentos e onde temos nossas raízes, construindo nossa História... Este conceito de "casa" e "morada" é o que os governos ignoram ao planejar e executar seus projetos de moradia popular.

Bem deveriam os governantes aprender esta lição...

Mas sei, companheiro, que sendo tu o educador que és, não de escolas, mas de picadeiros, e de chão, e de Vida, inventarás estratégias para ensinar, a partir de nossa favela, a toda gente aberta ao aprendizado, essas coisas lindas sobre o chão e a casa que nos dizem do direito e da grandeza de viver com dignidade.

E dignidade, irmão, jamais governo algum concedeu ao Povo. Dignidade jamais pessoa alguma deu a outra... Dignidade é conquista. E é irmã da Liberdade. E, filhas, elas são da Luta.

Vamos à Luta!

O Mundo, Casa da Humanidade, precisa re-aprender certos sentidos. Façamos a roda, chamemos toda a gente! As palavras geradoras serão "casa", "morada", "lugar", "comunidade", "identidade", "favela"... Talvez, a Humanidade encontre respostas para "como viveremos juntos?"...

É minha resposta, por hora... nosso diálogo continua!
Luciana

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