quarta-feira, 30 de junho de 2010

Um ensinamento para os políticos...

Quando a obra dos melhores chefes fica concluída, o povo diz: fomos nós que a fizemos.

                                                     Lao Tse

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Agronegócio brasileiro: Uma estratégia auto-destrutiva, artigo de Sérgio Abranches

[Ecopolítica] Agronegócio brasileiro adota as piores práticas sócio-ambientais. Despreza a tendência do mercado global de adotar práticas de sustentabilidade em toda a cadeia de suprimentos. Um projeto economicamente suicida. O Brasil é o maior importador de agrotóxicos banidos no EUA e na União Européia, por razões sanitárias. Esses produtos, muito tóxicos, são muito nocivos à saúde humana e ao ambiente, especialmente à água.

Em matéria, no último domingo, para o Estado de São Paulo, Lígia Formenti conta que aumenta a importação de produtos proibidos nos países desenvolvidos, como o endossulfam, associado a problemas endócrinos. “Dados da Secretaria de Comércio Exterior mostram que o País importou 1,84 mil tonelada do produto em 2008. Ano passado, saltou para 2,37 mil toneladas”.


Esses agrotóxicos são de difícil remoção dos produtos em cuja produção são utilizados. Fazem mal à saúde. Envenenam o lençol freático, a terra e os rios. Eles marcam os produtos agrícolas brasileiros como de má qualidade.

Qual o projeto estratégico do agronegócio brasileiro? Adotar as piores práticas e enfrentar barreiras comerciais crescentes?

O agronegócio brasileiro cresceu de forma espetacular. Acompanhei esse desempenho. Cheguei a escrever uma coluna na Veja, mostrando que “vender commodities” era chique, porque nossa agricultura estava se transformando em um negócio de alta tecnologia. Naquela época, prevalecia no Brasil a idéia de que só era bacana exportar produtos da indústria manufatureira, que se dizia tinham mais tecnologia. Uma tese falsa. Na comparação em teor de tecnologia, o setor do agronegócio dá de goleada na indústria.

Mas os avanços na genética, na nutrição e outros ganhos tecnológicos, não foram acompanhados por progressos nas práticas de sustentabilidade e responsabilidade social. O agronegócio brasileiro desmata, convive com práticas ilegais, como trabalho escravo, trabalho degradante, não assume responsabilidade pela cadeia de suprimentos (supply chain). Ao adotar más práticas ambientais e trabalhistas, carimba os produtos como de má qualidade.

Alguns setores começaram a melhorar suas práticas, mas só depois que passaram a enfrentar o risco real e presente de perderem seus melhores mercados externos. Foi o caso da soja, que terminou por fazer a moratória, que reduziu significativamente sua contribuição para o desmatamento ilegal na Amazônia.

Os frigoríficos brasileiros ainda não aprenderam essa lição, mesmo depois de serem advertidos pelos grandes supermercados de que não comprariam mais carne daqueles que não fossem capazes de demonstrar sua origem. Grandes supermercados como o Walmart, o Carrefour e o Pão de Açúcar têm programas de sustentabilidade que olham para a cadeia de suprimentos. E, por essas políticas, cada fornecedor tem que se responsabilizar por seus fornecedores também.

O mesmo acontece com o couro, grandes importadores, como a Nike, a Timberland, a Puma, a Columbia e a Patagônia já disseram que não continuarão a comprar couro brasileiro, se não tiverem garantia de origem, comprovando que não contribuem para o desmatamento da Amazônia

Agora mesmo, o Brasil teve que suspender, em comum acordo com as autoridades de Washington, as vendas de carne para o EUA, nosso maior mercado. Qual a razão? O JBS Friboi exportou para o EUA 40 toneladas de carne processada com teores de Ivermectina muito acima do permitido pelos padrões sanitários, informa Raquel Landim, do Estado de São Paulo. A Ivermectina é um vermífugo utilizado na criação de bovinos, mas que pode ser danoso à saúde humana. Esse frigorífico, que é financiado com subsídio pelo BNDES, também não obedeceu ao compromisso de garantir a origem de sua carne, assumido no acordo com os supermercados, intermediado pelo Greenpeace, para eliminar da cadeia de suprimentos a carne de desmatamento. Aliás, o Greenpeace está também na origem da moratória da soja.

O agronegócio brasileiro tem uma história de sucesso. Somos, hoje um dos maiores exportadores de commodities agrícolas do mundo. Somos o maior fornecedor do mercado global de carnes, tendo, ao longo dos anos superado grandes e tradicionais produtores como Argentina, Austrália, Nova Zelândia e Canadá. Não fosse o agronegócio brasileiro, nossa balança comercial seria deficitária. É ele que equilibra o sistema de comércio externo brasileiro.

Mas essa história de sucesso tecnológico e econômico tem bases podres, por causa das péssimas práticas sócio-ambientais. A liderança ruralista não representa a atitude dos bons produtores. Representa as piores práticas. Faz isso quando defende mudança no Código Florestal, para reduzir a área de reservas florestais. Diz que não precisa desmatar, mas trabalha politicamente para poder desmatar. Faz pressão sobre o governo, para atrasar a revisão dos agrotóxicos em uso, que tendem a ser banidos. Chama de absurdas as regras elementares de práticas trabalhistas mínimas. Míriam Leitão mostrou, em coluna recente, que o agronegócio tem sido campeão de flagrantes indiscutíveis de trabalho escravo e condições degradantes de trabalho, que lideranças como a senadora Kátia Abreu, nega existirem.

“Ao todo, de 2003 para 2009, foram encontrados 30 mil trabalhadores em condições análogas às da escravidão nas fazendas inspecionadas”, conta Míriam Leitão. E que regras absurdas são essas?

“A empresa tem que fornecer água potável para os trabalhadores. Essa é uma das 252 normas do Ministério do Trabalho para as fazendas. Por que escrever uma exigência óbvia? Entre 2003 a 2008, em 451 fazendas ficou constatado que os trabalhadores não tinham acesso à água minimamente aceitável. Há regras que não precisariam ser escritas desde o fim das senzalas.
Exemplos de regras espantosamente básicas: é preciso haver banheiro nos alojamentos; água para lavar o agrotóxico das mãos antes das refeições; os alojamentos têm que ser divididos por sexo; alojamentos de famílias não podem ser coletivos; trabalhador não pode pagar pelo equipamento de trabalho; se sofrer acidente, tem que receber primeiros socorros. Não deveria existir instruções assim tão detalhistas. O normal é que não houvesse. Mas os relatórios dos grupos móveis de fiscalização, que foram a quase 1.800 fazendas desde 2003, mostram que o que deveria ser normal numa sociedade civilizada, nem sempre é oferecido ao trabalhador de certas propriedades rurais”. (Miriam Leitão, na coluna Contra os fatos).

Eu estive visitando uma região de produção de soja no cerrado mineiro e os produtores estão desesperados com a baixa disponibilidade de água. A água era abundante e sumiu. Por quê? Porque desmataram tudo, destruíram as matas ciliares, poluíram os mananciais, usaram água de forma abusiva. Agora estão querendo acabar com as áreas protegidas da região, para terem acesso às suas águas.

A liderança do agronegócio, ao optar por defender a banda suja do setor, como se fizesse a defesa geral dessa indústria, está trocando benefícios de curtíssimo prazo por um desastre econômico e comercial de médio prazo. Ao estimular a adoção das piores práticas produtivas e ao negar a sustentabilidade como parte de sua estratégia futura para garantir a continuidade de sua trajetória vitoriosa, está condenando o agronegócio brasileiro à condição de pária na economia global. E está comprometendo a sustentabilidade econômico-financeira do setor na economia brasileira.

Um dos argumentos utilizados para o uso de agrotóxicos comprovadamente nocivos, por exemplo, é de que a lei brasileira não proíbe. É verdade que vivemos um apagão regulatório. Nenhuma agência regulatória está funcionando bem no Brasil: Anvisa, Anatel, Aneel, Ibama. Mas isso não justifica o mau comportamento. O argumento é tosco. Adota-se as melhores práticas porque elas são melhores, não porque o governo manda. Responsabilidade empresarial é uma vantagem privada, não uma determinação do estado. É essa mentalidade atrasada do empresário mediano brasileiro, que vive atrelado ao estado e dependente dos subsídios estatais que atrasa a economia brasileira. Ao invés de fazer lobby para poder continuarem errando, deviam buscar acertar para progredir.

Estamos entrando na era em que a gestão da cadeia de suprimentos vai ser ditada pelo consumidor. A busca da qualidade técnica, social e ambiental dos produtos, de todas as cadeias, é uma tendência inexorável. Quem não acompanhá-la sairá dos bons mercados, ficará nos mercados de baixa qualidade, como fornecedores de baixa qualidade.

O agronegócio brasileiro, as empresas líderes que adotam boas práticas, ao admitir essa liderança atrasada e reacionária, está aceitando riscos que se voltarão contra ele. Os boicotes vão aumentar. Os recalls de produtos brasileiros nos melhores mercados vão se suceder. O Brasil perderá fatias nobres do mercado global de commodities. É esse mesmo o projeto da agricultura brasileira?

Artigo originalmente publicado no sítio Ecopolítica.

EcoDebate, 02/06/2010

Brasil, a agenda ‘esquecida’: Código florestal, debate para além da questão ambiental

A possível alteração do Código Florestal brasileiro é outro fato da conjuntura nacional, na agenda nesses dias, que manifesta o debate de modelo de sociedade que se deseja. Ofuscado pelo boom econômico, o tema ambiental não tem recebido atenção por parte do governo, pelo contrário, é visto como um empecilho para o crescimento econômico. Há um visível desconforto e até má vontade por parte do governo em debater o tema, e nesse sentido o debate do Código Florestal é apenas um dos muitos temas que faz parte da denominada agenda ambiental.

A temática ecológica já não se constitui mais em uma novidade na sociedade, mas o tema veio à tona e ganhou espaço muito em função do esforço do movimento ambientalista, movimento esse que já irrompe como um dos principais movimentos sociais do século XXI. O movimento ambientalista – pouco compreendido até muitas vezes por seus parceiros do movimento social – alerta para os limites do paradigma do crescimento econômico fundado na idéia da exploração ilimitada dos recursos naturais. É ele, o movimento ambientalista, que exprime de forma mais contundente que o atual modo de produzir e consumir não é compatível com as possibilidades do Planeta.


Destacar o tema do Código Florestal nesse momento é dar visibilidade a um debate que para além dos atores envolvidos: governo, parlamentares, ruralistas e movimento social diz respeito ao Brasil que se quer – conteúdo aliás central do encontro da Assembléia Popular.

A bancada ruralista pressiona o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), a colocar em discussão e votação, ainda neste mês, o relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) – cada vez mais próximo da bancada ruralista – que modifica o Código Florestal. A pressão dos ruralistas vai além da abordagem direta ao presidente da Câmara. O deputado Moreira Mendes (PPS-RO), da Frente Parlamentar da Agropecuária, disse, que se for necessário organizará uma manifestação de produtores rurais em Brasília. “A Frente pretende reunir 50 mil manifestantes para fazer um panelaço a favor das mudanças no Código Florestal”, disse ele em tom exagerado.

As medidas propostas, na opinião do movimento social, vão no sentido de flexibilizar a legislação ambiental para favorecer o agronegócio, fazendeiros e exportadores de commodities. As propostas sugerem: reduzir a Reserva Legal na Amazônia de 80% para 50%; reduzir as Áreas de Preservação Permanente como margens de rios e lagoas, encostas e topos de morro; anistia aos crimes ambientais, sem tornar o reflorestamento da área uma obrigação e – medida considerada extremamente grave pelo movimento social –, transferir a legislação ambiental para o nível estadual, removendo o controle federal.

Segundo o movimento social os objetivos dos ruralistas são muito claros com a proposta de retalhar o Código Florestal: “consolidar o desmatamento que já promoveram no Cerrado, Mata Atlântica, Pampas e Caatinga; avançar na destruição da Amazônia e consolidar as áreas que já desmataram”, avalia Luiz Zarref, engenheiro florestal, especialista em agroecologia e militante do MST.

O ambientalista Mário Mantovani, coordenador da ONG SOS Mata Atlântica, afirma que o que se quer com o projeto de Rebelo é “massacrar a legislação ambiental brasileira”. Raul do Valle, coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA), tem opinião similar ao de Mantovani. Segundo ele, “a proposta dos ruralistas é acabar com o Código Florestal”.

A SOS Mata Atlântica é uma das organizações que ao lado de outras lançou a campanha ”exterminadores do futuro”, numa referência aos principais defensores da mudança da legislação ambiental.

A luta contra as mudanças no Código Florestal torna-se nesse momento de grande importância porque manifesta em seu interior interesses antagônicos que dizem respeitos a formas de conceber a relação com o meio ambiente. De um lado estão as forças econômicas que vêem os recursos naturais como mercadorias. A estratégia dos ruralistas e do agronegócio é uma estratégia auto-destrutiva destaca Sérgio Abranches: “O agronegócio brasileiro adota as piores práticas sócio-ambientais. Despreza a tendência do mercado global de adotar práticas de sustentabilidade em toda a cadeia de suprimentos. Um projeto economicamente suicida”. Sequer o agronegócio saber utilizar racionalmente a “mercadoria” que tanto preza. De outro, temos as forças sociais que percebem que a utilização indiscriminada da biodiversidade é uma ameaça a vida humana e de todos os seres. Esses movimentos não aceitam a mercadorização dos recursos naturais.

(Ecodebate, 07/06/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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